É inverno em Sampa, mas, um
veranico extemporâneo, intruso, desavergonhadamente aparece para exibir-se e
relembrar aos homens e mulheres dessas terras tropicais a sua existência,
embora isso não fosse necessário. Para esses seres, o dia quente e regado feito
rosa no quintal nunca sai da memória, nem da alma.
À noite, o ar seco, cinzento e
frio percorre a pele, como ácido corroendo as veias. A poeira inalada amplifica
a aridez dos prédios imóveis sob o céu paralisado. Enxames de helicópteros
transportam chefes executivos de escritórios, poupando preciosos momentos da
vida daqueles a comandar o pacto da
servidão consentida. Também lá vão cinegrafistas a capturar imagens da barbárie
urbana congestionada, para bombardeá-las em meio às chamadas repletas de sangue
dos noticiários televisivos. Pelos
túneis do metrô, nos ônibus enfileirados pela prisão dos movimentos congestionados,
nas plataformas pichadas por estranhos signos, turbas angustiadas seguem
apressadas e imóveis. Velozes veículos
miram semáforos brotados do chão, feitos cruzes em encruzilhadas, feito forcas
da inquisição. As religiões de outrora e as de agora mantém seus ícones por
vezes, de maneiras muito semelhantes.
Black blocs, ninjas, surfistas
com seus skates, celulares, laptops, surfam escorregadios pelas catracas do
cotidiano, enquanto skinheads com tacos de hóquei desfilam de patins. A velha
vertiginosa velocidade das juventudes não suporta a paralisia. Se mover na
velocidade dos SMS’s digitados nervosamente, do sexo rapidamente combinado,
enquanto se ouve a canção despretensiosa e embriagada de rock e hip hop baixada
em instantes pela rede, é o objetivo. A lenta metrópole do espaço público nega
e reafirma a celeridade destruidora do ambiente privado. Os cacos das vidraças
estilhaçadas sintetizam os fragmentos da poesia não verbalizada, da agonia não
digerida.
Segue assim agosto, mês com nome
de imperador romano, derramando seus dias vagarosamente, assim como sorvo meu
chocolate com canela. Lembro-me da
música do Chico falando da correria da cidade que apressa o amanhã. Não tenho
pressa, aguardarei serenamente a primavera
Nenhum comentário:
Postar um comentário