quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Enquanto a primavera não vem.

Fim de tarde, razoável, a temperatura evolui sem solavancos, como uma passista na passarela de uma noite de carnaval. Calma e compassada, vai seguindo até o êxtase, o apogeu da intensidade rítmica. Quando, energicamente, gotas de suor deslizam pela pele, destacando o brilho dos corpos sob a luz tornada tímida, ela parece resolver quedar como Ícaro sem suas asas. Um vento tão forte como o sabor de canela num chocolate do centro velho decreta o despencar dos graus centígrados e, não contente, resseca o ar, feito o balconista de padaria enxugando o chão por onde passantes buscaram seus pães de cada dia.

É inverno em Sampa, mas, um veranico extemporâneo, intruso, desavergonhadamente aparece para exibir-se e relembrar aos homens e mulheres dessas terras tropicais a sua existência, embora isso não fosse necessário. Para esses seres, o dia quente e regado feito rosa no quintal nunca sai da memória, nem da alma.

À noite, o ar seco, cinzento e frio percorre a pele, como ácido corroendo as veias. A poeira inalada amplifica a aridez dos prédios imóveis sob o céu paralisado. Enxames de helicópteros transportam chefes executivos de escritórios, poupando preciosos momentos da vida daqueles  a comandar o pacto da servidão consentida. Também lá vão cinegrafistas a capturar imagens da barbárie urbana congestionada, para bombardeá-las em meio às chamadas repletas de sangue dos noticiários televisivos.  Pelos túneis do metrô, nos ônibus enfileirados pela prisão dos movimentos congestionados, nas plataformas pichadas por estranhos signos, turbas angustiadas seguem apressadas e imóveis.  Velozes veículos miram semáforos brotados do chão, feitos cruzes em encruzilhadas, feito forcas da inquisição. As religiões de outrora e as de agora mantém seus ícones por vezes, de maneiras muito semelhantes.

Black blocs, ninjas, surfistas com seus skates, celulares, laptops, surfam escorregadios pelas catracas do cotidiano, enquanto skinheads com tacos de hóquei desfilam de patins. A velha vertiginosa velocidade das juventudes não suporta a paralisia. Se mover na velocidade dos SMS’s digitados nervosamente, do sexo rapidamente combinado, enquanto se ouve a canção despretensiosa e embriagada de rock e hip hop baixada em instantes pela rede, é o objetivo. A lenta metrópole do espaço público nega e reafirma a celeridade destruidora do ambiente privado. Os cacos das vidraças estilhaçadas sintetizam os fragmentos da poesia não verbalizada, da agonia não digerida.

Segue assim agosto, mês com nome de imperador romano, derramando seus dias vagarosamente, assim como sorvo meu chocolate com canela.  Lembro-me da música do Chico falando da correria da cidade que apressa o amanhã. Não tenho pressa, aguardarei serenamente a primavera



 

Nenhum comentário:

Postar um comentário