O
colapso da mobilidade urbana em São Paulo
Possíveis políticas
para sua superação
por Roberto Guido
A
mobilidade urbana em São Paulo entrou em colapso. Fruto do descaso
histórico dos poderes públicos com as causas estruturais do
problema, apresenta hoje um crise que não poderá ser enfrentada com
medidas pontuais, fragmentadas e insuficientes, como, de resto, tem
sido o histórico de intervenção urbana em nossa cidade.
Em
primeiro lugar, cientes de que os mecanismos indutores da orientação
centralizadora da malha viária paulistana são determinados pela
lógica da especulação imobiliária, é necessário ter claro que
se se pretende iniciar o enfrentamento do problema, é urgente
iniciar o desmonte dos mecanismos de transferência da renda social
da terra para setores minoritários da cidade (agentes imobiliários,
construtoras, entre outros).
Para isso
é fundamental a instituição de incentivos fiscais na periferia da
cidade e a instituição do imposto progressivo nas áreas mais
centrais: Valorizar a instituição da produção de bens e serviços
na periferia, gerando emprego e renda para os setores populares e
assim diminuir o peso das migrações pendulares, característica dos
ambientes urbanos densamente povoados, ao mesmo tempo em que o poder
público induz à ocupação dos terrenos vazios (e que não são
poucos) nas áreas mais centrais.
A
implementação dessa diretriz de política pública urbana,
portanto, resultaria em duas consequências bastante favoráveis à
cidade: No curto prazo, redução da demanda de transporte pela
fixação de um maior contingente populacional próximo à sua
residência por conta de uma maior oferta de bens (materiais,
serviços, culturais) de maneira descentralizada. Num prazo maior, o
desestímulo à ocupação periférica patrocinada pelos setores
rentistas da terra que assim o fazem objetivando especular com o
advento de benfeitorias públicas nessas áreas, benfeitorias essas
que necessariamente também são ofertadas nas áreas mais centrais e
vazias e das quais as que mais se destacam são as vias urbanas, na
sua maioria convergentes para o centro e que pelo seu traçado
radial, acentuam o colapso de mobilidade que assistimos hoje.
Em
segundo lugar, são necessários fortes investimento em transporte
público (corredores de ônibus, metrô, trens) de forma coordenada,
pelas esferas federal, estadual e municipal. Para desestimular o uso
de veículos pelos indivíduos, o transporte coletivo deve ter
qualidade, o que está longe de ser uma realidade em São Paulo.
Parece ser claro que só forças políticas que, de forma
republicana, garantam ações coordenadas e integradas poderão
levar à cabo essa empreitada.
Pesquisa
encomendada pela ONG Nossa São Paulo ao IBOPE constata que 67% dos
entrevistados reprovam as atuais políticas voltadas para a
diminuição do trânsito, 70% não conseguem verificar a prioridade
ao transporte coletivo, 68% reprovam o tempo de deslocamento, assim
como 71% o fazem em relação à pontualidade dos ônibus (o tempo
médio de espera de ônibus em São Paulo é de 22 minutos). A
restrição aos ônibus fretados, política de incentivo ao uso
particular por parte da prefeitura de São Paulo, é contestada por
71% dos entrevistados.*
O metrô
paulistano, com apenas 74,3 km de extensão (cerca de 1/3 da extensão
do seu similar na Cidade do México e que teve o início da sua
construção um ano após o nosso) está saturado, é caríssimo, e
sua gestão está comprometida pela completa ausência de
transparência. Reformas de trens que custam quase o preço de novas
aquisições, construções superfaturadas, privatizações,
complementam o caos no qual estão submetidos cerca de 3,5 milhões
de usuários/dia que superlotam as poucas linhas e composições
existentes. Quadro similar encontraremos na rarefeita rede
ferroviária estabelecida em São Paulo.
Com
relação aos corredores e frota de ônibus a mesma realidade se
apresenta: nenhuma expansão e aumento acentuado da demanda.
Por fim,
chama a atenção a ausência de um plano cicloviário, não só para
as áreas centrais, mas também para os bairros periféricos,
integrado à outras modalidades de transporte, de sorte que tenhamos
uma alternativa limpa e saudável do ponto de vista energético e de
qualidade de vida. Mas além disso, é preciso investimento em
campanhas institucionais e educacionais para valorização desse meio
de transporte pelos diversos extrato sociais. Dos entrevistados pela
pesquisa citada, 74% ressentem-se da ausência de ciclovias, o que
demonstra o potencial que um plano cicloviário combinado com
campanhas institucionais de incentivo ao uso de bicicletas poderia
ter como mais um elemento para enfrentarmos o colapso da mobilidade
urbana paulistana.
Não se
pretende aqui esgotar esse assunto, mas demonstrar que as atuais
medidas tomadas pelo poder público são insuficientes, fragmentadas,
pontuais e que na maioria das vezes limitam-se à ações relativas à
regulação da circulação urbana e que, de maneira alguma podem dar
conta de um problema que é sistêmico e tem determinações
estruturais.
*Pesquisa
IBOPE sobre percepção da população encomendada pela ONG Nossa
São Paulo.
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