terça-feira, 8 de novembro de 2011

Pelo direito à cidade



A fragmentação do espaço urbano paulistano, conforme temos insistentemente afirmado, é resultado direto da ação econômica e política dos agentes imobiliários para se apropriarem da renda da terra urbana. Capturado o Estado por parte desse setor social, todas as políticas públicas tornam-se estratégicas para que ocorra aquilo que os especuladores chamam de realização da valorização. Trata-se na verdade de transferência de renda social, expressa nos impostos e taxas que pagamos, para uma ínfima parcela de proprietários de imóveis e terrenos, intermediários, construtoras e imobiliárias.
Geógrafos e urbanistas já alertaram para esse fato que, além de concentrador de renda, determina também a organização do território urbano, inclusive no que diz respeito às vias de circulação, causando a crise de mobilidade que assistimos hoje, por exemplo, em São Paulo.
Para amenizar tal dinâmica, o estatuto da cidade, lei 10257 de julho de 2001, estabeleceu um conjunto de instrumentos de política urbana, cujo objetivo estratégico é regular “o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental”. Conforme a referida lei, tais instrumentos podem ser divididos em três grandes grupos: Planejamentos institucionais, mecanismos tributário-financeiros e instrumentos jurídico-políticos. Nesse contexto, planos diretores, operações urbanas consorciadas, leis de zoneamentos, certificados de potencial adicional de construção (CPAC’s), constituição de reservas fundiárias são, dentre outros, alguns exemplos de mecanismos para o combater à especulação imobiliária como indutor do crescimento das cidades.
Digo amenizar, pois sabemos que em uma sociedade capitalista, a determinação econômica e política fazem sucumbir determinados marcos regulatórios que objetivem uma organização societária mais justa e garantidora de direitos. Por conta dessa realidade insofismável é que sabemos que só a luta social pode garantir efetivos direitos para o conjunto da sociedade.
Para melhor exemplificar esse raciocínio, temos o Plano Diretor da cidade de São Paulo. Instrumento legal, garantidor de avanços inquestionáveis para toda população paulistana, e que foi nos últimos anos abandonado, por vezes parcialmente, outras totalmente, quando da execução de intervenções por parte da prefeitura. Se não, vejamos:
O projeto Nova Luz, inspirado nos modelos higienistas do começo do século vinte e que consistiam em deslocar os pobres para bairros distantes, objetiva entregar a grandes consórcios empresariais a concessão de várias áreas, aumentando o potencial de construção, prejudicando toda a população local. A operação urbana consorciada que deveria garantir direitos aos moradores, garantirá o lucro do capital especulativo imobiliário: 61% dos imóveis serão desapropriados, 50% dos custos serão bancados pelo poder público e 30 anos serão privatizados na forma de concessão para “retorno do investimento”.
No Itaim Bibi, a troca de um terreno no qual se encontra uma escola municipal, uma estadual, uma creche, uma biblioteca, um posto de saúde, pela construção de creches é um escárnio. Não se troca direitos sociais por outros. A recusa da prefeitura em assinar convênio com o MEC para a construção e manutenção de creches na cidade só evidencia o interesse de se entregar terrenos públicos em áreas valorizadas para a construção de imóveis de alto padrão.
No caso das operação urbana consorciada água espraiada, o custo estimado de dois bilhões de  dólares apenas para a construção de um túnel apresentado pela atual administração supera em muito os valores estimados pelo governo de Marta Suplicy para todo o projeto. Os recursos advindos dos CEPAC’s serão insuficientes, o que levará a prefeitura custear, com recursos do orçamento, o faraônico projeto no qual se tornou essa operação urbana. Novamente a sociedade paulistana terá no poder público o agente que realizará a “valorização” de áreas para o setor imobiliário e construtor. Sem contar as incertezas, angústias e revoltas que caracterizam a população local por não ter seu direito à moradia garantido até o presente momento. Convém não esquecermos que a lei municipal 13260 de 2001 que instituiu essa operação urbana, promulgada no governo Marta Suplicy, previa a incorporação do bairro de Americanópolis para expansão de programas habitacionais, já que se trata de região repleta de áreas de acentuada declividade e solo exposto, portanto de alto risco. Essa região foi completamente abandonada nos últimos oito anos e agora também, nesse momento em que se recoloca a intenção da administração de retomar as obras desse projeto.
Por conta dos grandes eventos a serem realizados nos grandes centros urbanos brasileiros nos próximos anos, e, em particular na cidade de São Paulo, assistiremos um conjunto de intervenções urbanas que, a pretexto da urgência, não garantirão o direito de todos à cidade, propiciarão grandiosas cifras ao setor especulativo/construtor, em suma, aprofundarão o abismo social urbano. Para isso, assistiremos o uso inescrupuloso das possibilidades abertas nas brechas dos marcos regulatórios ou à revelia deles.
É diante desse quadro que mobilizações políticas e sociais por parte dos movimentos populares (moradia, educação saúde, etc.) deverão se intensificar no próximo período: Trata-se de garantir a todos o direito à cidade.
                      





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