O inverno de São Paulo alimenta as almas mais introspectivas, numa monumental antítese à tradição italiana que se expressa, dentre outros aspectos e fatos, na festa da N.Sra. da Achiropita, evento anual que ocorre no mês de Agosto no bairro do Bexíga. Desde 1926, por ocasião deste congraçamento, a comunidade italiana e paulistana se mobiliza de forma intensamente peculiar com o objetivo de arrecadar recursos para as obras sociais da paróquia da comunidade. Tradição católica vinda da Calábria do século VI, região pobre e agrária no sul da penísula itálica, a Maria da Achiropita refere-se a uma Maria não pintada por mãos humanas em uma capela daquela região.
Essa manifestação de religiosidade, congraçamento e solidariedade é um importante marco cultural de nossa cidade.
Esse caráter talvez não combine com o ideário de uma cidade cosmopolita, moderna e globalizada. Extensas avenidas entupidas, pontes estraiadas, shoppings centers padronizados edifícios envidraçados erguidos sobre colunas de aço, tem, para alguns, mais a ver com uma cidade mundial.
Aliás, congraçamento e solidariedade também não combinam com ações homofóbicas, políticas higienistas, eliminação do diferente.
Enquanto segue a festa, pessoas são agredidas por homofóbicos incentivados por pessoas públicas, outros são expulsos ou recolhidos por conta das opções políticas do poder público. Eliminar o diferente, padronizar atitudes, espaços, manifestações, consumo. Esse é o objetivo de um modo de produção que admite o diverso até o ponto em que lhe não ofereça riscos à sua reprodução. Quando finda a festa, a produção e reprodução da desigualdade continua sua trajetória , enquanto os diferentes devem ser eliminados e os desiguais afastados da cidade embelezada.
De qualquer forma, ainda há mais um final de semana para apreciarmos uma fogazza no velho bairro italiano que dança em meio à sambas e tarantellas e recebe tanta diferente gente.
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